10 janeiro 2011

O Pior Prefeito da História


Antes de ser político Aderbal tomava duas ou três pingas na venda de Tertuliano, perto do almoço. Simpático e sedento, sem camisa, abuletava-se numa mesa e era feliz. Jamais sonhara ser o prefeito de Uraviba. A vida tem dessas coisas, pensava ele, quando queria se desculpar por tamanha incompetência ante o cargo. Passados dois anos do seu governo, a cidade era unânime em afirmar, “O pior prefeito da história!”. Um título que Aderbal pouco entendia, pois gastou a juventude atrás de mulheres e nunca estudou administração pública, economia ou coisa que o valha. Ainda restavam dois anos para cumprir e muito poderia ser feito. Porém, de que forma? Ele não sabia. No íntimo compreendia que a tragédia não era culpa exclusiva sua. Encontrara uma prefeitura corrompida, um bando de burgueses decandetes a lhe implorar cargos e favores. Aderbal não sabia dizer não e, sempre cedendo, acabou enquadrado por um sistema impossível de controlar. Passivo, deixou-se levar pelos amigos de um antigo chefe político, o coronel Luciano Hagge.


Coronel Luciano Hagge governou Uraviba por dezoito anos. Nesse tempo ficou poderoso. De tropeiro passou a milionário, dono de terras e hoteis de luxo. Todos o temiam e só o maldiziam às costas, timidamente. Havia boatos de crimes de mando, espancamentos, grilagem e outros gestos não gentis praticados por ele, sendo o maior deles o rombo aos cofres públicos. O certo é que coronel Luciano acumulou mais de cento e cinquenta processos, cíveis, criminais, eleitorais. Um homem de muitas varas, frequentador de praias de nudismo e terreiros de Candomblé. Seu sonho em se tornar governador de estado, não obstante, jamais se realizou.
À noite, sozinho em sua cama, Aderbal planeja demintir os secretários - todos eles escolhidos diretamente pelo Coronel. Põe-se a imaginar chegando ao gabinete, austero, valente, decidido: “Estão todos na rua! De agora em diante quem manda sou eu! Chega de ser moleque de recados!”. Pouco antes de adormecer, o prefeito esboça um sorriso para público nenhum, na escuridão. Dorme seco e sonha sendo vaiado por esquálidos negros. Pela manhã é acordado e há um telefone a falar de propinas, superfaturamentos e outros itens de uma pauta infernal. O prefeito se levanta e mesmo antes de escovar os dentes compreende o tamanho de sua covardia. Não mudará nada.
Como posso ser tão fraco? Reflete dioturnamente. Nos dois anos de poder sua grande obra foi mandar capinar a praça principal e colocar cascalho nas três vias centrais do município. Depois, gastou dois milhões em propaganda e trios elétricos para a inauguração. Todos fazem isso! Sussurra ele ao vento. Porque sua consciência dói e mal pode rezar como antes. De fato, Aderbal não é inapto sozinho. Uraviba é uma vilazinha de analfabetos vaidosos, netos de antigos garimpeiros que ganharam muito dinheiro e depois faliram na mesma velocidade. Restou, a tal elite, viver do erário público, revezando em cargos ou fazendo projetos para vender à prefeitura. E assim os anos passam.
Uraviba está entregue às moscas. As ruas sujas e rotas, o comércio mais parecendo uma feira de ratos. Seus habitantes, maltrpilhos, vagam para lá e para cá, vivendo de sexo, cachaça e tiroteios. Cidade sem livraria, sem cinema, sem teatro, sem universidade pública, sem nada que valha à pena. Tem muitos puteiros e putas, e automóveis adquiridos sabe-se lá como. E ainda faltam dois anos! Matuta Aderbal, coçando o queixo. Se pudesse pegava no sono e só acordava uma década depois. Não pode. Precisa conviver com a legião de corruptos, corromper-se também, ouvir as orientações do Coronel, trocar o óleo com as secretárias e com as professoras municipais.
Os órgãos da gestão Aderbal bem poderiam ser chamados de “Secretaria do Desgoverno”, “Secretaria de Destruição de Obras”, “Secretaria do Atraso Urbano e do Mal Ambiente”, “Secretaria da Doença”, e assim por diante. Contudo, por mais que as coisas estejam fora de controle, sem a prueza dos tempos de Tertuliano, mesmo tendo vendido a alma, Aderbal, gosta de observar o esgoto onde no passado funcionou um rio cristalino. Uma ideia obsessiva o domina. Acuado, tenta escutar alguma voz vinda de dentro. Inútil. O seu guardião interior está mudo. Uma capivara caminha serenamente, um bem-te-vi, uma lua toda amarela começa a surgir nos céus. Mas há um martelo na cabeça de Aderbal, um gotejar sem fim: “O pior prefeito da história!”

2 comentários:

Antonio Nunes disse...

Esse prefeito deve ter se espelhado em Azevedo!
Ou será que vc está se referindo ao próprio usando uma camuflagem de vidro transparente?
Sinceramente, nós jamais perderemos essa titularidade de termos o pior prefeito do mundo, pois, além de Azevedo, ainda contamos como Fernando Gomes que, tranquilamente, sempre foi vergonha nacional!

Levy Andrade Ganem disse...

Muito bom Fernando, já havia lido no Jornal Direitos. Quando será que acordaremos? vamos continuar nobre amigo, parabéns.