20 junho 2009

O Chá de Cima – Breve Reflexão Sobre Drogas e Espiritualidade

Há uma palavra nefasta chamada alienação. O processo em que a consciência se torna estranha a si mesma, afastada de sua real natureza (HOUAISS, 2008). Uma anulação da personalidade do sujeito. A alienação se dá tanto material - como consequência da produção de um objeto alheio àquele que o produziu-, quanto psiquicamente, na tendência humana em encontrar soluções artificiais aos seus anseios. Pode ser moderada ou atingir a extremos, tornando-se neuromental, comprometendo a logicidade. Muitos pais alienam seus filhos, impondo-lhes programações condicionadas, fazendo-lhes adeptos deste ou daquele princípio. Como diz Edith Sitwell, poetisa inglesa, “As pessoas acreditam em qualquer coisa, desde que não esteja fundamentada na verdade”. E é isso mesmo. Há muitos anos comprovo esse paradoxo em sala de aula, com meus alunos. Muitos, mesmo sem ter estudado uma linha para a avaliação, rezam e pedem ás “forças supremas” que os aprovem. Outros, correm alucinadamente em seus carros e motos, porém, carregam fitinhas do Senhor do Bonfim e se sentem protegidos. Nesse velho mundo, quase ninguém acredita ou usa a razão. Entretanto, é a razão que nos faz humanos.

O homem sempre buscou a transcendência. A história é um mar de supersticiosos, pincelada por pequenos arquipélagos racionais. Se tirássemos alguns gregos antigos, alguns filósofos modernos e alguns cientistas contemporâneos da face da terra, restar-nos-ia a mais caótica barbárie. A inteligência, mesmo sendo repartida entre todos, não é por todos utilizada. Existem três níveis de transcendências (HUXLEY,1978): 1. Transcendência Ascendente, 2. Transcendência Descendente e 3. Transcendência Horizontal. A transcendência ascendente é aquela proposta pelos espiritualistas orientais, pelo bramanismo, pelo budismo, taoísmo, pela cabala, pela teosofia, pelos rosacruzes, pelos sufismo, pelo cristianismo, dentre outros. Trata-se de uma preparação para que se atinja um estado absoluto de mente, chamado de Nirvana, Reino dos Céus, Satori, Percepção Oceânica, Consciência Cósmica ... Com tal propósito, escolas se ergueram, durante milênios, atraindo muitos discípulos. Uma série de sacrifícios e iniciações foram realizados, e décadas de estudo e testes, na maioria das vezes, não possibilitaram ao estudante a Iluminação. Pois Iluminar-se também significava evoluir eticamente, desenvolver outras instâncias do corpo, dissolver-se, eliminar os egos que nos identificam nesse mundo e, principalmente, alcançar a maturidade psíquica para tal. Suas práticas não visavam qualquer prazer ou devaneio pessoal, mas a auto-aniquilação. A tradição diz que o Mestre só aparece quando o discípulo está pronto. Tal processo pode custar centenas de encarnações.

O método de transcendência horizontal consiste numa atitude de caridade, de esquecimento de si mesmo, num desenvolver de ações para o semelhante. Funciona mais como instrumento.


A transcendência descendente é o meio que muitos encontraram de alterar o estado de consciência, através de agentes externos, de alguma droga utilizada com o intuito de que o fiel alcance “espíritos”, “mestres”, “a si mesmo” ou “Deus”. A transcendência descendente é um atalho, um truque, uma mágica. Ela nada tem a ver com a espiritualidade. Trata-se de um fenômeno puramente químico, neurológico, uma experiência infrapessoal. Seja o LSD, o peiote ou a ayahuasca, em todos os casos, o indivíduo passa a sofrer uma dependência de ordem psíquica, fazendo com que ele não viva mais sem utilizar a droga. E, mesmo sendo um dependente psico-químico, ele não desenvolve remorsos ou culpas, pois as experiências alucinógenas geram um estado de epifania (sentimento do sagrado), já que se dão ritualisticamente, acrescidas de sugestões dogmáticas de “mestres” e “orientadores”. A transcendência descendente não tem vínculo com a ascensão espiritual verdadeira, é apenas um sarau voltado para o consumo de alucinógenos. Nenhum Iniciado verdadeiro jamais se utilizou desses meios, pois que droga alguma é capaz de acelerar a evolução. Ao contrário, atrofia-nos. Fotos Kirlian registram imagens da aura antes e depois do consumo de drogas. É impressionante como todo campo fluídico de pessoas em estado de alucinação desaparece (PSICENTER, 2008). É como se o uso de chás e outras substância psicotrópicas afastassem as forças divinas do indivíduo. Embora ele, sob efeito da droga, confunda prazer com espiritualidade.


Os estudos sobre os níveis de dependência de tais drogas “mágicas” devem observar as relações da oxitocina com o hipocampo e deste com o neocórtex, pois normalmente um dos efeitos de tais drogas diz respeito à memória. Se por um lado, conteúdos armazenados no Lobo Temporal e na Amígdala, sobretudo, podem se acessados via esses alucinógenos, também ainda não se sabe dos níveis de comprometimento dos neurônios, obrigados a disparar artificialmente inúmeras vezes, deflagrando contato com neurônios vizinhos. Os cientistas deixaram de mão investigações mais amplas sobre tais drogas, sobretudo porque, como diz Richard Dawkins (2007), as religiões gozam de privilégios absurdos da lei. Porém, quem estudar a história da cocaína verá que ela também já foi utilizada religiosamente por índios sul-americanos, e que até recentemente (início do século vinte), era prescrita como medicamento. O Papa Leão XIII chegou a abençoar o vinho de coca e Freud foi pago por industriais para difundir a cocaína. O médico austríaco publicou, então, “A cocaína é estimulante mental, para tratar de problemas digestivos, para aumentar o apetite, como afrodisíaco, para tratar asma, como um anestésico local e para ajudar os dependentes de álcool e morfina a se livrarem do vício”. Essa última afirmação é interessante, porque também, hoje em dia, os membros da União do Vegetal e do Santo Daime afirmam que o Oaska (que é o alucinógena que eles bebem) serve para “curar” viciados em outras drogas.

Esse é um ponto fundamental. Toda questão se resume à tendência que certas pessoas possuem para o vício. O atual estado de arte, nesse campo, onde predominam os estudos neurocientíficos demonstram que existem padrões hereditários determinantes na formação de um viciado, prontos a se desencadear à medida que certo favorecimento psicoemocional ocorra. Uns nascem para o vício, outros, não. Dentre os bebedores das chamadas “drogas sagradas” há um número significativo de ex-usuários de maconha, cocaína ou álcool. Houve apenas a substituição de uma droga por outra. O que tais indivíduos não conseguem é viver de maneira lúcida, sem dependências. “Deus”, “mestres”, “Salomão”, “forças de cipós”, são apenas pretextos, fantasias, imagens infantis. Existem simplesmente para justificar a excentricidade do novo vício. Os estudos sobre essas drogas “ritualísticas” são ultrapassados. Nos últimos cinco anos, as neuroimagens, a possibilidade do acompanhamento dos efeitos da droga no nível molecular e sua ação no SNC já são suficientes para demonstrar possíveis efeitos maléficos tanto da mescalina quanto da oaska no sistema humano. Devemos exigir de nossos políticos que pressionem o executivo para uma ação enérgica, nesse sentido.


O Dicionário de Termos Médicos – 2007, chama de alucinógeno, toda “Substância psicoativa, natural ou sintética, capaz de ocasionar alterações da consciência, normalmente caracterizadas por alterações sensitivas, com imagens percebidas que podem evoluir para ilusões e alucinações, alterações do humor e sensações de despersonalização ou desrealização”. Portanto, esses chás são alucinógenos mesmo. Eles atuam aumentando os efeitos das células de inibição do Sistema Nervoso Central, o poder ansiolítico. Ao bombardear o Sistema Nervoso Central com o oaska, a célula começa a reduzir os efeitos de inibição do sistema gabaérgico, ocorrendo a adaptação homóloga (específica para o oaska). Então, quando o oaska, uma segunda ou terceira vez bater na célula não terá mais o mesmo efeito ansiolítico. Então, o indivíduo precisará beber mais chá para manter o mesmo efeito. A célula criará uma defesa contra o oaska. E mais oaska será necessário. Como diz Rodrigo Bressan, “Uma vez desenvolvido o mecanismo de defesa celular, nós não sabemos como desativá-lo. Por isso que uma pessoa que desenvolve o vício permanece com o vício... Aquilo fica guardado no célula, fica na memória celular” (2004, Folha de São Paulo).


Essas drogas, utilizadas sob pretextos religiosos são uma espécie de vírus, semelhantes aos de computador. Só que “vírus da mente tendem a ser difíceis para suas vítimas descobrirem”, como diz Cronin (2002). Estudos recentes (2008), efetivados pelos doutores Palmira Morais e Luis Maia, da Escola de Medicina de Lisboa concluíram pela existência de um déficit cognitivo nas pessoas usuárias de quaisquer drogas, quando comparadas com aqueles que não utilizam substância estranha aos metabolismos naturais do corpo humano. Quer dizer, os usuários de alucinógenos vão ficando menos inteligentes com o passar do tempo. Para Lacan as drogas, ritualísticas ou não, constituem uma relação patológica de dependência do indivíduo com um objeto, um disfarce de algum problema psicológica de base. Tal objeto pode muito bem ser outra pessoa. Não é tão incomum vermos casamentos que se mantêm nesses termos, ou seja, através de uma vinculação patológica de dependência. Nesse caso, não temos uma relação propriamente, pois não há mais alteridade, mas um vício legítimo, retroalimentado, muitas vezes, até a velhice ou a morte.

Hoffman (2007) afirma que “alguns genes associados ao uso abusivo e à dependência de drogas psicoativas já foram identificados. Estudos genéticos revelam uma forte associação destes genes com o mecanismo de gratificação cerebral, ou circuito cerebral de recompensa, a via do sistema nervoso central responsável pela sensação de prazer, que reforça os comportamentos prazerosos, e inclusive o desejo de consumir drogas”. Os viciados, seja em cerveja, em maconha, em oaska, em cocaína, em mescalina, heroína, crack, tabaco etc, devem compreender que são doentes, hereditariamente doentes e, por isso, precisam se tratar, sair da roda-viva: fator hereditário, que gera dependência, que gera alienação, que gera convicções místico-religiosas, que geram mais drogas, que geram mais alienação, e assim por diante.

Felizmente, há outro substantivo, capaz de nos fazer superar qualquer nível de alienação. Trata-se da reflexão, que é a virtude de ponderarmos e meditarmos sobre tudo, dinamicamente, sem que emitamos conceitos de valor a priori. Ela é científica. A reflexão, dentre outras coisas, poupa-nos de sair por aí experimentando de tudo, porque nos dota do uso das faculdades cognitivas, capazes de, por inferências, conduzir-nos a sínteses muito mais apropriadas. O fato é que não necessitamos de droga nenhuma para que exerçamos nosso potencial de ser-aí. A vida não se resolve misticamente, através de mecanismos de fuga; mas, heroicamente, por meio do confronto com o cerne daquilo que nos aflige. Se as causas não cessarem nada se equaciona, não adianta carnaval, nem futebol, nem religião, nem “espíritos indígenas”, nem coisa alguma. Compreender que a vida é sofrimento é um passo fundamental, como sabiam Jesus, Buda e Platão, e todos os grandes Iluminados ascendentes, que jamais utilizaram drogas. O segundo passo consiste em vencermos o sofrimento, enfrentando-o, e não fugindo dele, porque é inútil fugir, ele segue sempre atrás. Ele é contíguo ao que somos. Enfrentar o sofrimento é basicamente aceitarmos o fato de que vamos morrer e de que não temos qualquer garantia de vida após á morte, de eternidade. Superarmos as fantasias, entendermos essa rede imaginária que nos compõe como atributo da poesia, das artes, e dos ofícios lúdicos, mas não como verdade em si mesma.


Precisamos nos desprogramar das idéias que nos foram impostas, limpar o nosso disco rígido pessoal, desfragmentá-lo, pacientemente. Depois, através da reflexão, irmo-nos forjando, exercendo publicamente aquilo que idiossincrática e, intransferivelmente, somos. Podemos, porque temos o livre-arbítrio, cruzar a vida reféns do sexualismo, do alcoolismo, da religião, da ideologia, da moda e de outras ilusões transcendentes. Podemos ficar a ver caboclos e pretos-velhos desencarnados, ficar a ingerir sucos de cipós, viajando para imagens pretéritas disso que chamamos de identidade pessoal. Podemos nos entregar a seitas estranhas e ficar bebericando chá, cheirando pó, fumando pedras. O amigo Ozi Guimarães, num sonho meu, sentenciou: “O único chá de que precisamos é o chá de cima”. Por “em cima” compreendo o cérebro, a cabeça, a razão. Compreendo Isaac Newton, Tesla, Anaximandro, compreendo as mentes que se esforçaram em concluir o Teorema de Fermat. Porque, como diz a máxima, “Verdade de bêbado não vale”, entretanto, o Teorema de Pitágoras mudou o mundo.

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Razões e Amor


1. O amor é coisa da maturidade espiritual
2. Na juventude espiritual tendemos a escolhas baseadas ora em carências, ora em modelos parentais
3. Ou seja, muitas pessoas estão juntas não porque amem seus parceiros, num sentido maduro do que seja amor, antes, por que os imaginaram, um dia, de uma forma ideal e, de certa forma, mantêm a esperança de que esse outro vá se modificar

4. Ninguém se modifica
5. Então, as pessoas, insatisfeitas afetivamente, vão buscar elementos de fuga, capazes de preencher seus vazios afetivos

6. Mas, nada, senão a própria afetividade, preenche vazios afetivos

7. Biologicamente são sempre as mulheres que escolhem, dentre vários parceiros, qual aquele com quem conviverá
8. Essa escolha é mais influenciada por novelas, romances, elementos de imaginação, que por racionalidade e reflexão

9. Mulheres dependentes escolhem homens-heróis, capazes de protegê-las vida a fora
10. Mulheres independentes e fortes escolhem homens-filhos, passivos, e tentarão investir neles, para que se tornem trabalhadores, porém, sempre sob a tutela dela

11. Nesse caso, estabelece-se uma nítida relação mãe-filho, conveniente ao homem passivo e a mulher ativa
12. Porém esse homem passivo é também agressivo, e tem surtos de violência, quando, simbolicamente, quer se vingar da mãe (normalmente uma mulher também dominadora)

13. Uma roda de mulheres amigas normalmente é recheada de queixumes desses maridos, sejam nas características heróicas ou dependentes dos seus “homens”, como elas gostam de falar
14. Certamente elas serão infelizes afetivamente por toda a vida. Pois uma relação de dependência/carência é uma relação doente, não há ali o amor propriamente
15. As mulheres inteligentes talvez sejam as que pior escolhem seus parceiros e, por serem inteligentes, as que mais insatisfeitas ficarão

16. Acabam viciadas no casamento, e precisarão de tratamento para se livrar dele ou para lidar realisticamente com ele
17. Porém, se elas forem lidar realisticamente com seus casamentos, com seus maridos, descobrirão que eles não são seus parceiros ideais. Descobrirão que se mantiveram casadas por tanto tempo apenas por deficiência psicoemocional de ambos os lados
18. As pessoas saudáveis se relacionarão de forma mais tranquila e racional, quando chegar a hora e se a hora chegar. Caso contrário estarão bem, mesmo sozinhas

19. As pessoas, se querem ter uma relação saudável e que as faça evoluir, deverão escolher parceiros afins, que possuam uma ampla quantidade de elementos semelhantes, numa mesma faixa vibracional, existencial
20. No amor, como na espiritualidade, só os iguais se harmonizam

21. Numa relação ideal, ambos os parceiros crescem interior e exteriormente, pois se estimulam e se completam, sob vários aspectos

22. É fácil medir uma relação ou casamento fracassados: ninguém cresce. Há uma predominância dos problemas sobre o desenvolvimento, e de conflitos sobre a harmonia

23. E por que, embora sendo tão óbvia a escolha por parceiros afins, as pessoas têm escolhido parceiros inadequados?
24. Por problemas simbólicos com os pais, pela conveniência que a infelicidade traz, pela conivência com o grupo social (cuja maioria é também infeliz e tem más relações)

25. Todos algum dia na vida encontram a pessoa certa. Mas poucos têm a coragem de segui-la. Preferem a infelicidade.
26. E a vida é curta




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17 junho 2009

Eleição: A Antiga Fantasia do Paraíso Que Não Chega


Para o torcedor, o dia mais feliz é o do título. Um êxtase toma lugar e, por instantes, a vida parece bela e o universo ganha sentido. Vencer é se sobrepor ao outro, ao que traja uniforme diferente. Ser humano é competir, eleger adversários e desenhar brigas imaginárias e consequências. Mito e emoção, de mãos dadas, traçam o destino dos mortais, e todos possuem seu gueto: estético, festivo, esportivo, religioso ou político. Este último, o mais intrigante, porque, ao contrário dos demais, mistura realidade material e sonho. Arte, carnaval, futebol e religião, por exemplo, são absolutamente categorias do mundo imaginário, brumas, fantasias, existem no universo mental coletivo e, embora até se mate por tais causas, aquelas pulsões não passam de subjetividades, fixações e, em muito sentido, doença psíquica. A política, entretanto, diz respeito a fazeres ordinários. Num sentido lato, a ação política envolve desde um acordo de arrumação de móveis numa residência até a assinatura de um tratado de guerra de uma nação para com outra. Mas quero falar, neste breve texto, do sentido menor de política, que são as eleições municipais. Esse momento cíclico e idêntico, essa ilusão inventada por gregos antigos.

Para que serve um prefeito? Em tese, para gerir uma empresa, seu orçamento, prioridades, funcionários, parceiros. Uma empresa mantida por impostos. Um prefeito competente será aquele que conseguir equilibrar receita e despesa, mantendo as contas em dias e empreendendo níveis de manutenção aceitáveis nos diversos setores. Os recursos são limitados, o tempo de administração é mínimo, pois logo virão novos gerentes e um novo prefeito cuidará do conglomerado. Um trabalho burocrático, rotineiro, cercado de promissórias, fundos, legislação e planos orçamentários. Porém, porque vivemos numa democracia, determina-se que esse empresário seja escolhido pelo povo. Povo esse, em sua maioria, completamente ignorante quanto ao funcionamento da empresa. E, onde há ignorância as paixões comandam e, onde há paixão, há mito. Assim, a escolha do administrador municipal se transforma numa competição esportiva. A razão vai às favas e a cidade inteira começa a vibrar numa frequência alucinada, e assistimos a uma histeria coletiva. Todos tomam seus postos, uns de vermelho, outros de verdes, outros de azul, berrando numerais, possessos. Ocorrem grandes carreatas e caminhadas, verdadeiros rituais dionisíacos, regados à cerveja, cantigas e ofensas às cores e números alheios. A fuzarca dura até o início de outubro, ao final da tarde. Depois, um breve silêncio e, ao cair da noite, um dos grupos irá às ruas gritar pela última vez e doar alguns dólares a mais aos cofres da AMBEV. Um mês depois, os loucos todos já terão voltado à vida normal – que é, afinal, a realidade, com suas querências e pobrezas de todo dia.

Em janeiro, o administrador novato tomará posse e, num breve espaço de tempo, passará a ser criticado por aqueles que corriam empunhando sua bandeira, poucos meses atrás. Ou elogiado por outros, beneficiados pessoalmente de alguma forma pelo novo governo. Os miseráveis continuarão miseráveis, os feirantes continuarão feirantes, os professores – quase todos vermelhos de tão tristes -, continuarão na sua rotina, frente aos seus analfabetos sem cura. Porque, como diz o poeta, para isso fomos feitos, e não tardará uma copa do mundo, uma outra eleição. Marx reeditou o mito do paraíso na Terra, e são os que nisso crêem os fabricantes dessa agonia chamada eleição. Prefiro ficar com Jesus, acreditando que o nosso Reino não é aqui, porque o homem não pode salvar o homem, se somos vaidade e de vaidade não passamos.

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