21 março 2012

O Sucesso de Iraci


Iraci cismou que seria poeta. Gostava de palavras. Só não sabia fazer versos. Começou a ler livros. Literaturas. Russos. Portugueses. Alemães. Memorizava pensamentos alheios. Exibia-se para outras meninas. Interessou-se por gente estranha. Aproximou-se delas. Aos 14 anos aprendeu a arte da mentira. Uma lâmpada se acendeu em sua cabeça. Sim, bastava fingir.

Iraci comprou canetas e cadernos grandes. Ia desenhando sílabas. Coisas sem sentido. Pronto, era quase poeta. Um dia, olhou-se ao espelho. Viu os peitos. Viu o poder dos olhos. Quis sair da periferia. Conhecer gente importante. Entrou em carros. Donos de estação de rádio. Jornalistas. Professores. Advogados. Médicos. Seus peitos se tornaram públicos. Foi estudar filosofia. Não entendia quase nada. Criou quatro personagens. Copiou quanto pôde os esdrúxulos. Vestiu-se diferente. Ensaiou dez mil truques. Virou mulher. A obsessão de ser poeta crescia. Precisava de avalista. Homens elogiando suas letras. Fez uma lista dos famosos. Da Bahia mesmo. O sul só depois. Ofereceu-lhes os peitos e ganhou prefácios. Publicou livros. Alugou vestidos. Organizou saraus. Autopromoveu-se. Criou uma nova imagem. Discreta. Dócil. Sutil. Aninhou-se com gatos. Pôs os tentáculos na capital. Ofertaram-lhe sonetos. Hoje, pousa em jornais. Participa de encontros literários. No Facebook se pinta de santa. Engana um rebanho de imbecis. Planeja mais livros. Mostrar os peitos a outros maiorais. Pôs o mundo no bolso. Quase. Menos Zezinho. Seu namorado de infância. Ele sabe que Iraci não é poeta. Sabe que ela cataloga palavras de dicionário. Sem apreender sinonímias. Sabe que ela ajunta verbos. Diz sentenças sem sentidos. Mistura tudo e põe um título. Põe um número. Usa letras minúsculas. Quer parecer chique. Galicista. Zezinho conhece Iraci na palma da mão. Sabe que tudo nela é falso. Que ela se perdeu há muito. Extraviou-se pensando ser quem não é. Afundou-se na dissimulação. Se escrevesse, Zezinho fracassaria. Não tem vértice a ofertar. Não tem olhares. Zezinho ignorante. Sabidos são os prefaciadores dela. Que nada disseram. Só pensando nos peitos de Iraci. Só Zezinho a decifra. Sabe que ela faz colagem. Não poesia. Aprendeu usando cartolinas. Pensando que palavra é igual a fuxiquinho. A vida de Iraci é uma imensa colagem. Uma mentira. Um mosaico. Um álbum de defuntos. Iraci é assassina. Seus peitos almejam academia. Sua alma está no inferno.

Um comentário:

ruy vídero disse...

Iraci é posmoderna, enquanto seu namorado ainda é moderno. A sociedade é moderna, e Iraci, há muito é posmoderna. e seus peitos, ainda (imagino) mais pormodernos ainda são de vanguarda, pois chega ante e antes de tudo. Quero conhecê-la. quem sabe prefaciarei algo neles?