03 setembro 2009

Advogados


Advogados são bonitos. São elegantes. Vestem-se com o mais puro linho e são convenientes. Riem na hora certa. Raramente choram. Freqüentam os melhores salões de beleza. Não medem esforços para a elegância. Sapatos lustrados. Ornamentos em ouro. Advogados são bonitos. Andam de cabeça erguida. Pastas repletas. Pensamentos concêntricos. A minuta. A procuração. O habeas-corpus. A inflexão na ponta da língua. O lenço. O suor perfumado. O automóvel metálico. A casa de praia. O churrasco. Os amigos advogados.

Advogados são bonitos. São elegantes. Vestem-se com o mais puro linho e são convenientes. Riem na hora certa. Raramente choram. Freqüentam os melhores salões de beleza. Não medem esforços para a elegância. Sapatos lustrados. Ornamentos em ouro. Advogados são bonitos. Andam de cabeça erguida. Pastas repletas. Pensamentos concêntricos. A minuta. A procuração. O habeas-corpus. A inflexão na ponta da língua. O lenço. O suor perfumado. O automóvel metálico. A casa de praia. O churrasco. Os amigos advogados.
Advogados adoram discutir política. Falam de senadores, deputados e presidentes de forma íntima. Utilizam um maravilhoso vocabulário. Expressões latinas, português clássico. Gastam quinhentas linhas para dizer que o réu é culpado. Mas também gostam de futebol, assinam a Veja, periodicamente vão a motéis. Pagam com cheque ou cartão, expostos em trabalhadas carteiras de couro. Advogados preferem jantar em restaurantes, onde falam de negócios. Contam piadas. Narram o caso do cliente burro. Dos cinco mil dólares a mais. Da procuração de mão beijada. Do vídeo-laser penhorado. Depois, arrotam discretamente e vão ao toalete. Lavam as mãos. O rosto. Corrigem o penteado.
Advogados multiplicam-se. A cada ano. A cada dia. Crianças se preparam. Adolescentes freqüentam tribunais. Vestibulandos anseiam. Eles sabem-se superiores. Olham em volta e é só mediocridades. Por isso são contidos. Falar muito só entre os iguais. Preferencialmente silenciar, ante a estupidez. Advogados assistem avidamente aos noticiários da televisão. Embora já compreendam todos os processos do sistema. Mas é preciso dados, subsídios, inferências novas. Sonhar com litígios homéricos. Ocupar funções públicas vitalícias. Passar pelas ruas, observando o olhar respeitoso dos demais. Ser chamado de doutor. Tirar dúvidas. Apresentar soluções. Memorizar códigos inteiros. Dar aulas. Corrigir provas. Conferir o saldo bancário. Sutileza. Perspicácia. Higiene.
Moças também sonham em ser advogadas. Por isso estudam, alucinadamente. Decoram as fórmulas de Química inorgânica, treinam análise sintática, matriculam-se em mil universidades. Em quatro anos, saltos altos, cruzarão os corredores do fórum. Mãos repletas de papéis. Apressadas. Apertando botões. Computador e celular. O noivo correto. Advogado. Amigos gentis. Conversas mornas. Vinho branco e Caetano no CD. Que viver é isso mesmo, e as injustiças estão aí. Advogados se alimentam delas. Advogados se alimentam e engordam. Criam barriga. Celulite. Votam com correção. Acreditam na democracia. Dão palestras em clubes de serviços e vão dormir em paz.
Seria bom se todos fossem advogados: Garis, Professores, Poetas, Domadores de leões. Um mundo jurídico, sob gravatas e petições... Infelizmente, porém, longe disso estamos. O que vemos é um planeta irracional. Banalizado. Cru. O que assistimos são cantares de filósofos, pobres. Incomensuravelmente pobres. Discursando o absurdo. Inutilmente, divagando sobre absoluto, existência, Deus e caos. Buscando origem e fim, assustados com a fome da criança. Com o velho roto, caído. Gastando horas a fio sobre livros caducos, em trajes vergonhosos. Filósofos não têm função. São luxo. Afinal, a vida prossegue igual, mesmo que não pensemos nela. Por isso não se pode perder tempo. Tudo é rápido. A morte vem breve. Não há espaço para as loucuras de Platão, as alucinações de Nietzsche, o pensamento desconexo de Foucault. É preciso ganhar-se muito dinheiro. Literatura é lazer... Advogados têm plena consciência de tais verdades. Lamentam que ainda existam tolos. Mas nada podem fazer a respeito. Precisam casar-se. Ter filhos. Patrocinar-lhes educação, coloca-los em escolas caras, para que cresçam e possam ser alguém. Compreendem, que basta cada um cuidar de si mesmo e a ordem não tardará a vir. A vida é para ser realizada e não pensada. Determinação é a palavra. Ambição é a palavra. Trabalho é a palavra.
Filósofos ainda amam o mistério. Ainda gastam horas num pôr-de-sol. Fazem versos, ainda. Preocupam-se com ética e moral. Querem ser felizes. Antes, porém, a cultura- suas doze caras, a dúvida. O pecado. Filósofos são pecadores, essencialmente sujos e descartáveis. Pés na lama. Quase tocam o céu. Ilusão... Advogados passam sandal no rosto e vão ao Arraial d’ajuda. O mundo nas mãos. Filósofos ficam na chuva. Úmidos e sós. Contando as estrelas. Observando o caminhar das formigas. Um mundo só de filósofos não passa por sua cabeça; passam abstrações, esperanças miúdas, paixões possíveis. Os rios poluídos e os bichos extintos habitam sua alma. O fogo que queimou Giordano. As chagas do Cristo. O veneno do grego parteiro. Alvoroço, alegria e dor o compõem. Vinte e quatro horas por dia, trina o seu coração.
Advogados são prolixos. São espertos. São horizontais. Nascem advogados. Quando crianças, exigem mesada. Têm sempre à mão, a maior fatia do bolo. Para que possam rir dos que comeram pouco. Rir dos outros meninos que ficaram sem comer.

Um comentário:

Nadir Seara disse...

Os filósofos visam adequação do direito tendo como base ideais democráticos e anseios sociais, analisando propostas para a reforma do bem comum. Ainda que se preocupem com os critérios da justiça vigente. Já os advogados entendem que ética e moral são apenas problemas a serem descartados da "verdade do direito". Essa é minha opinião, e lógico há profissionais do Direito que são exceções, ou melhor dizendo, mais humanos em seus combates.